quarta-feira, 14 de março de 2012

Eu não faço amor

Os séculos correram como se uma ampulheta tivesse sido quebrada. Mesmo assim, as relações sociais continuam um tanto quanto parecidas demais. Famílias defendem a constituição que as privilegia, enquanto moralistas acompanham esse movimento como se fosse uma febre, com direito a delírios e falta de linearidade.

- Essa mulher é da vida, meu filho.
- Como assim, mãe?
- Fecha os olhos e atravessa a rua sem olhar muito.

Muito antes da queda do império de Roma, esse tipo de mulher já era visto com desagrado, como se fosse algo a ser recolhido das ruas. Elas não podiam ficar perto das virgens. Jamais. Seriam uma péssima influência para as moças que haveriam de descobrir as atividades de uma esposa perante o seu marido.

Quer queira, quer não, essas moças continuaram fazendo o seu trabalho. Dia e noite, noite e dia. Mais de uma vez por dia até. Elas pagam contas, sustentam a casa e levam o cachorro pra passear no parque quando têm uma tarde livre.

- Você paga, eu faço. Mas não faço tudo o que você pedir. Dinheiro tem limite e o meu corpo não é refúgio. Sexo é profissão. Eu não beijo na boca, eu não digo que te amo, eu não faço amor.

O discurso de uma garota de programa não é dos melhores - elas sabem, caro leitor. Mesmo assim, você se deixa cair no colo da moça e acredita por um momento que aquilo pode ser amor. No final das contas, poderia ser, mas não é.

A vida e seus tropeços colocaram a donzela na condição de carregar um novo sorriso em seu ventre. Durante seis meses, foi enganada por dois médicos, viveu ilusões e achou que fosse morrer por doença. Agora é tarde, teu futuro como mãe mora em ti e sempre morou.

Das coisas todas, a moça anotou como recado que novas certezas surgem quando certezas antigas são interrompidas. Novas janelas são abertas, mesmo que obrigadas pela força do vento. Uma queda significa algo maior que as dimensões de sua barriga. Uma vida nova grita do seu útero, cheia de sonhos e novas incertezas.