sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Por Álvaro de Campos

Durante a vida a gente coleciona CDs, livros e um bocado de outras coisas. Com as pessoas que a gente conhece acontece algo parecido; algumas permanecem pra sempre, outras são esquecidas no meio  do caminho.

Durante a vida a gente esbarra com a morte por tantas vezes, que começa a nem se assustar mais. E eu gostei tanto de morrer durante esse ano, só pra ter a chancela de deixar pra trás o que não fazia mais sentido e começar tudo de novo. A gente passa a entender que cada um tem o seu tempo, que é preciso respeitar a partida dos que amamos e ficar próximo dos que ainda têm ar nos pulmões.

Durante a vida a gente distribui sorrisos e, às vezes, recebe um tanto de volta. Dá até vontade de fazer um álbum com todos esses sorrisos só pra poder guardá-los, mantendo a nostalgia de dias que ficaram no passado. Durante a vida a gente se apaixona, inventa sorrisos e viaja só pra ficar perto de quem a gente gosta mesmo tendo data e hora pra retornar.

O melhor da vida é que a gente finge ser Fernando Pessoa só pra poder ter todos os sonhos do mundo, mesmo não tendo a menor ideia de como trazê-los pra realidade.

- Fear always save as.
- Always. But you have to choose a moment in your life, even on, to not be afraid.
- Have you choose that moment?
- Yes, right now.

domingo, 4 de novembro de 2012

Vênus em fúria

Sabe aquela sensação de conhecer alguém e saber que esse mesmo alguém um dia vai tomar um significado maior? A situação em que vocês se conheceram passa a ser um detalhe, por mais que você se lembre que foi há uns dois anos atrás e que ele não sabia amarrar o cadarço do tênis naquela época. Agora, parece que ele se encaixa em você mais do que o seu vestido preferido.

Eu consigo até sentir uma leveza no peito. Foi um parto deixá-lo assim nesse estado, como se fosse um balão de gás hélio solto no ar. E eu que achava que esvaziá-lo seria a solução da minha insônia. Ledo engano. Dos males, o menor, pelo menos agora ele respira sozinho. No entanto, eu consigo me contradizer horrores nessas horas.

Um amor pra substituir o outro não funciona. É o mesmo que pedir um hi-fi e o moço do bar dizer que não tem suco de laranja e colocar suco de limão no lugar. O gosto não vai combinar com o que você queria e ainda vai te dar dor de cabeça no dia seguinte, acredite. Não dá pra trocar uma peça por outra. Se assim fosse, tudo seria mais fácil e tão mais sem graça.

Por falar em graça, eis o meu ritual de sempre: morrer de amor um pouquinho, dia após dia, e mesmo assim continuar vivendo. Usar o perfume que ele gosta. Beijar como se o amanhã nunca fosse acontecer. Acordar com Beatles e sair da cama devagar, só pra virar o disco. 

O vazio continua vazio, só falta alinhar os planetas e encontrá-lo quando Vênus estiver em fúria. Eu com o meu vestido, ele com o tênis bem amarrado.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Setembro

Uma das coisas que mais me fascina ao escrever é não saber o que vão pensar a respeito. Posso até me usar como exemplo. Às vezes eu não sei o que quero dizer com meus escritos, digamos que eu não carrego muitas certezas. Das poucas convicções que tenho, a minha preferida continua sendo a arte do encontro; embora haja tanto desencontro, tal qual escreveu Vinicius.

Um dos casos é, inclusive, recente: 22 de janeiro. Consigo até lembrar a data e o evento anterior a data. Consigo lembrar do sorriso, das covinhas e da manhã nascendo enquanto conversávamos na sacada. Eu sabia o seu nome, você não devia saber o meu. Amores platônicos me encantam também - outra convicção que eu gosto e reconheço.

Desde então, alguns encontros intencionais e muitos desencontros ocasionais. Eu corri de você que nem o diabo da cruz. Eu neguei o seu nome três vezes, todas as vezes. Teria comprado passagem só de ida para um país dividido por dois oceanos e lá eu ficaria com o seu sorriso, as suas covinhas e aquela manhã na sacada.

Essa recordação estaria numa moldura bonita, decorando o meu novo lar distante. Afinal, eu faria questão de guardar tudo isso. Passaria horas te observando. Sozinha, e dando sequência a minha admiração platônica por você. Por 15 dias, eu acreditei nessa possibilidade. Voltei. O seu sorriso e as suas covinhas continuavam aqui, me esperando na portaria do meu prédio. Falei p/ porteiro que ele havia se enganado, que o pacote em questão não era meu.

Eu quase consigo enganar as pessoas quando alguém diz algo sobre você. Semana passada eu inventei de ser atriz passional. Usei o flerte mais inviável do mundo, desses que a gente decora em livros de banca de jornal. Me dei como missão convencer o outro a acreditar em um amor dissimulado. Prometi ligar no dia seguinte e o dia seguinte nunca chegou, nem vai chegar.

As nuvens se partiram e uma rastro de sol deixou o recado naquela mesma manhã de janeiro. Amores possíveis começam a morrer no dia em que se concretizam, mesmo sabendo que o seu sorriso e as suas covinhas estariam na parede de casa assim que a primavera tivesse início.

Eu aqui, concordando com Vinicius e mandando Eça ficar em silêncio por hoje.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Anônimo

Nos conhecemos numa quinta-feira. Nada demais, assim por dizer. Nem um sorriso por educação ou charme. Pensei em todas as possibilidades quatro segundos antes de nos despedirmos e comecei a procurar por todos os seus rabiscos: dos mais bizarros aos mais sutis.

Por falar em sutileza, suas tentativas de aprisiona-la têm sido banais - por mais empenho que exista da sua parte. Os teus desenhos e os teus escritos refletem o escuro e o claro. Dois elementos opostos que podem carregar significados quando estão juntos.

Eu sempre tive medo do escuro quando criança e só conseguia dormir com a luz acesa. Hoje eu tenho medo do claro, de qualquer representação que mostre o reflexo de algo que eu possa ver em mim. Eu prefiro ficar no escuro, no silêncio.

O diabo é mais embaixo. O paraíso, no final das contas, é só o nome de uma estação de metrô.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Flertar é preciso, continuar o flerte também

Todas as minhas tentativas de flerte são motivadas por razões que a própria razão desconhece. Num primeiro momento, eu posso até achar que foi o sorriso bonito do rapaz que me fez idealizar a situação ou a forma como ele se ajeitava enquanto lia um livro. No final, eu sempre acabo depositando o crédito da conquista na conta de algum elemento químico inerente ao meu controle - ou, no meu caso, a falta de.

Feromônios são substâncias químicas capazes de promover reconhecimento sexual mútuo entre animais da mesma espécie. Deixando a ciência de lado - ainda mais porque não existe nenhuma comprovação sobre essa substância em seres humanos - e usando os feromônios como metáfora passional, podemos dizer que temos a fórmula da atração humana.

Nós somos condicionados pela função de procriar. O nosso subconsciente sabe a real necessidade em perpetuarmos a nossa espécie e condiciona o nosso instinto a buscar pela eterna existência da humanidade. Não que isso seja premissa constante e nos obrigue a agirmos como coelhos tendo filhos a cada ciclo de nove meses, que fique bem claro.

Algumas pessoas se apaixonam logo de cara. Já pensam em casar, ter filhos, já sabem até o nome do cachorro que terão e pra onde vão levar os pequenos nas férias. Outros se deixam levar pelos encontros da vida, acordam dia sim dia não com um estranho na cama, abusam do flerte etílico e não veem o menor problema em se apaixonar por amores diferentes.

Não existe certo nem errado nessas duas situações - e o meu certo pode ser o seu errado, e vice-versa. O que existe, e nós sabemos de forma involuntária, é o desejo em desejar. A excitação provocada por outra pessoa é como serotonina pura correndo pelas veias. Uma vez tendo contato com essa sensação de euforia extrema e já nos damos como reféns de qualquer lance.

Tirar a roupa em vinte segundos ou sentir que o coração aumentou a sequência de batimentos cardíacos são sinais que indicam que fomos impactados pela presença do outro e que o nosso corpo gostou da reação. Quando isso acontecer, seja simples. Admita ter encontrado o que o seu médico recomendou, utilize em doses homeopáticas e nunca deixe de flertar - nem que o flerte seja com a mesma pessoa.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Eu não faço amor

Os séculos correram como se uma ampulheta tivesse sido quebrada. Mesmo assim, as relações sociais continuam um tanto quanto parecidas demais. Famílias defendem a constituição que as privilegia, enquanto moralistas acompanham esse movimento como se fosse uma febre, com direito a delírios e falta de linearidade.

- Essa mulher é da vida, meu filho.
- Como assim, mãe?
- Fecha os olhos e atravessa a rua sem olhar muito.

Muito antes da queda do império de Roma, esse tipo de mulher já era visto com desagrado, como se fosse algo a ser recolhido das ruas. Elas não podiam ficar perto das virgens. Jamais. Seriam uma péssima influência para as moças que haveriam de descobrir as atividades de uma esposa perante o seu marido.

Quer queira, quer não, essas moças continuaram fazendo o seu trabalho. Dia e noite, noite e dia. Mais de uma vez por dia até. Elas pagam contas, sustentam a casa e levam o cachorro pra passear no parque quando têm uma tarde livre.

- Você paga, eu faço. Mas não faço tudo o que você pedir. Dinheiro tem limite e o meu corpo não é refúgio. Sexo é profissão. Eu não beijo na boca, eu não digo que te amo, eu não faço amor.

O discurso de uma garota de programa não é dos melhores - elas sabem, caro leitor. Mesmo assim, você se deixa cair no colo da moça e acredita por um momento que aquilo pode ser amor. No final das contas, poderia ser, mas não é.

A vida e seus tropeços colocaram a donzela na condição de carregar um novo sorriso em seu ventre. Durante seis meses, foi enganada por dois médicos, viveu ilusões e achou que fosse morrer por doença. Agora é tarde, teu futuro como mãe mora em ti e sempre morou.

Das coisas todas, a moça anotou como recado que novas certezas surgem quando certezas antigas são interrompidas. Novas janelas são abertas, mesmo que obrigadas pela força do vento. Uma queda significa algo maior que as dimensões de sua barriga. Uma vida nova grita do seu útero, cheia de sonhos e novas incertezas.