segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Os iluministas

Se sexo é o que importa, só o rock é sobre amor

Apesar de todo o interesse ambos não poderiam se comprometer em resolver um questionamento tão ancestral. Responder dicotomias não é algo simples.

Por ora, às vezes, é melhor ocultar as palavras. Quanto menos se fala, mais os sentidos físicos conversam entre si. Iluministas brigaram pela razão tentando provar que a ciência era a rainha de todas as leis e que o pensar era quem tinha o controle de tudo.

Clarice gostava de Voltaire e queria silêncio. Ela preferia dormir sem acompanhar a respiração do outro ao lado. Augusto ouvia Tim Maia e queria conversa. Queria dividir o que sentia e achava que todo esse amor era suficiente para os dois. Ledo engano.

- Eu quero me casar com você.
- Acho que isso está ficando meio sério, Augusto.
- Todo mundo diz que somos melhores quando estamos juntos.
- Se continuar assim, eu vou ter que ir embora e te deixar um bilhete de adeus.

A resposta foi ouvida lentamente por Augusto, que não conseguia olhar para Clarice com os olhos de antes. Sem que ela percebesse, ele se virou de costas alegando estar com sono e sem disposição.

Augusto percebera que estava aprisionado no corpo de Clarice, e que seria um calvário sair de lá. Ele esperava afeto. Ela, por sua vez, esperava o próximo e todos os outros homens por quem iria se apaixonar.

Augusto era de Câncer, Clarice de Leão. Não é preciso entender muito sobre astrologia para concluir que essa combinação contém ingredientes que qualquer alquimista evitaria misturar na mesma ampola.

- Clarice, não precisa casar comigo, só me responde uma coisa.
- Como queira, Augusto.
- Existe muita química entre nós, não acha?
- Depende do seu ponto de vista.
- Não respondeu minha pergunta.
- Existe muita química em Chernobyl.

Clarice partiu, conforme avisara. Antes, rabiscou um desenho e deixou seus últimos escritos para Augusto.

Um mérito inegável da poesia: ela diz mais e em menor número de palavras que a prosa.

domingo, 11 de setembro de 2011

Dia 36

Capítulo I: A Estátua

Ela vive longe daqui e quando resolve aparecer abusa do carmim nos lábios e das roupas que gritam por si só.
A Estátua se exibe sem o intuito de aparecer para a maioria, porém é inevitável não correr os olhos por ela.

Todos os pecados do mundo estão ali e ela sabe. Os homens duelam por sua presença e morrem por conta disso, mesmo sabendo que no dia seguinte ela vai estar distante.

Capítulo II: A Estranha

Se alguém a visse na rua, de cabelos presos e óculos de sol, provavelmente não teria dado trela. Ela não era a mais bonita das moças, mas, como dizem, tinha lá o seu charme.

Carregava uma certa maresia no olhar, os vestidos que a mãe achara em brechó, e as fotos de um passado que ela insiste não esquecer.

As pessoas sabiam das tristezas que ela carregava, mesmo quando a Estranha calava o choro e fingia o contrário.

Capítulo III: A Dona

Ela era música para os ouvidos e água para os que tinham sede e a encontravam, mesmo que fosse por apenas uma noite. Os braços rabiscados e um ar de domínio que só ela sabia ser falso.

No entanto, eis que pontualmente, a Dona resolveu sair de sua ressaca eterna. O álcool servia como veneno, pois ela tinha algo a matar - era o que diziam.

Ela ainda é rock'n'roll, só deixou de ser groupie para virar a donzela que inspira os galãs do Baixo Augusta ao compor suas músicas.

Capítulo IV: O Fim

Em todas as histórias, a gente sabe, é nossa obrigação saber seguir em frente seja lá qual for a direção, e as três haveriam de encontrar cada uma o seu ponto final nesse caminho todo.

A Estátua segue o seu destino torto e continua andando por ele de olhos fechados. A Estranha brincou com suas aquarelas e abriu o peito gritando por um novo amor. A Dona, por sua vez, é discreta e tem bons motivos para se segurar.