terça-feira, 19 de junho de 2007

Cinema Mudo

A maioria das pessoas se priva de sonhar, ou morre por medo disso. Pensei em alguma coisa parecida logo cedo, após conhecer - numa coincidência feliz ou não - um garoto que estudava cinema.

Ele queria filmar tragédias na África, bebia sem pudores e tinha o dom de abraçar o mundo. Não me prendi ao detalhe do sorriso que ele tinha, nem ao semblante sarcástico que ele mostrava ao acender um cigarro. Contudo, admito que por um tempo - por um bom tempo - me vi dissecando olhares, cercando as suas costas, a sua cintura, e abraçando-o num impulso que eu já não podia controlar.

Fui direcionada a imaginar um dia, em que eu acordaria com aquele perfume do meu lado e o seu all star de couro branco jogado circunstancialmente. Sem pensar nos meus desejos ou no que eu queria fazer naquele dia, eu tomaria o cuidado de sair da cama sem acordá-lo, me vestiria e, muito provavelmente, abandonaria aquele quarto sem deixar um bilhete ou o número do meu telefone, esperando que ele ligasse de volta.

O meu sonho estaria inerte e não nos veríamos sob hipótese alguma. Isso, se ele já não tivesse roubado algo que me pertencia. A propósito, isso de roubar e 'facilitar' o furto é uma questão abrangente demais para este texto.

No entanto, ás 17 horas do dia seguinte, ele surgiria (como chuva sem aviso) e entraria pela sala, sem pedir licença:

- Pensei que tivesse sido importante.
- Mas foi. Só que de outro jeito (...)
- De que jeito então?
- Não sei. Não consigo te explicar.

Sem maiores discursos, já estaríamos trocando confidências. Como na vez em que ele me convidou para dançar Nancy Sinatra, e eu aceitei.