Nos conhecíamos há um tempo razóavel. A ponto de sabermos os gostos um do outro, as viagens que cada um tinha feito, a razão das nossas tatuagens, os piercings que perdemos pelas causas mais idiotas do mundo, o time do coração [em comum, por sinal], e outras peculiaridades que nos tornaram um tanto quanto próximos.
Após uma série de convites tendenciosos - do tipo 'traz uma garrafa de vinho e ficamos por aqui', 'você tá em São Paulo?', 'um amigo vai dar uma festa, vamos?' - e vários desencontros, aconteceu que em um sábado qualquer o nosso plano de ter um encontro só nosso vingou.
Fui recebida com um abraço tão pertinente, que o perfume dele parecia ter reconhecido o meu. Aquele abraço foi uma espécie de troca. A nossa conversa era fácil e parecia se dar entre dois velhos conhecidos. Já conseguia identificar o que F. queria só de observar o movimento dos seus pés.
- Vou colocar um som pra gente. Sugestão?
- Confio no teu bom gosto, guri.
- Certo. Tu gosta de No Doubt?
- Principalmente as mais antigas.
F. aproveitou para explicar o conceito visual da capa de 'Tragic Kingdom' - designer, sabe como é? -, e me deixava ainda mais encantada. Ele me atraía fisicamente; e, admito, isso foi a razão propulsora que me instigou a visitá-lo. Entretanto, F. era daqueles que sabiam inteligentemente o que falar. Conversamos sobre história, filosofia, charutos cubanos e revoluções marginais.
No entanto, não demorou muito e deixamos todos os assuntos prováveis para uma outra hora. Em uma fração imperceptível, as roupas dele fariam companhia as minhas [que estavam jogadas ao lado do sofá].
A playlist seguiu. Dormimos ao som de Johnny Cash. Acordamos com Tarantino, Sin City.
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A última foi num silêncio total. Nenhuma trilha sonora de fundo, nada. A não ser o barulho do que parecia ser uma chuva. Também era sábado, tal qual na primeira, só que de manhã.
Conseqüência de uma sexta-feira que parecia não ter acabado. Pelo contrário, ainda tinha uma garrafa de vodka na casa dele. Aliás, eu tinha deixado essa garrafa lá uns dias antes; não desconfiava que ela seria lembrada novamente.
Amigos a parte, interesses em comum e a vontade de saber se existia alguma reciprocidade. E existia. O silêncio deu espaço ao movimento sútil de R. ao abrir os botões da minha blusa. Ao passo que os lábios se conheciam milimetricamente, o restante cumpria a seqüencia de nos fazer esquecer tudo o que acontecia do lado de fora da porta.