segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Manifesto anti-amor

Diz a lenda que quem fala mal do amor ou faça qualquer menção negativa a esse sentimento tão adorado pelos mortais é alguém muito infeliz e que, provavelmente, sofreu uma decepção amorosa recente daquelas de doer. Para variar um pouco e fugir dessas idéias pré-idealizadas, discordo de teorias que classificam esse tipo de comentário.

Não me considero diferente de qualquer outra criatura mundana - apesar de ter alguns pensamentos nada aceitáveis pela maioria. Nasci e fui criada em solo tupiniquim, pago uma quantia absurda em impostos para esse país; costumo ir em festinhas e/ou qualquer tipo de confraternização etílica, me divirto, me empolgo; e eu também me relaciono fisicamente, pessoalmente e amorosamente com uma freqüência satisfatória e bem feliz, se assim posso dizer. Então caro leitor, não se revolte com as críticas dissolvidas sobre um assunto que você usa como muleta, como ideologia, e usou para pegar alguém: o tal do amor.

O amor é o bom da vida, concordo. A minha mãe me ama, o meu cabeleireiro me ama e a minha cocker fica tão feliz quando me vê, que eu sinto que ela me ama também. No entanto, quem mais me surpreende no quesito 'me amar' é aquele cara do passado mais presente, boa pinta, bonito, cativante, que costuma achar graça quando faço manha e que, mesmo namorando, me liga só para avisar que me ama.

Ao que tudo indica, eu não tenho do que reclamar.

Contudo, o amor pode ser perigoso em alguns casos, acredite. As pessoas enxergam um mundo perfeito e ouvem passarinhos cantarolando, passam a acreditar que as coisas vão dar certo e criam expectativas de felicidade eterna por culpa dele.

O amor é plenitude, é êxtase. O amor é uma droga e como qualquer outra substância alucinógena provoca efeitos confortáveis ou não. Em excesso, o amor faz os apaixonados mudarem de atitude. O que, em termos, chega a ser compreensível, já que a maioria das pessoas se transforma quando se encontra nesse estado emocional. Mas, durante todos esses anos de vivência e prática amorosa pude perceber que comigo não é assim; e não me pergunte por quê.

Posso dizer que esse meu senso de auto-controle e auto-suficiência me deixam numa situação tranqüila. Não me sinto obrigada a ligar no dia seguinte e posso fingir com segurança que 'ele' é o dono da razão (sem ser). O meu revés se limita quando pareço estar cansada de assustar os homens com essa minha segurança sem limites, com esse meu alto poder de ser dona de mim mesma. Cansei de ser o máximo e o ponto mais alto, de ser um troféu inatingível e de ser difícil - tá, eu não cansei, mas achei cabível colocar isso no texto. Eu queria, por um só dia que fosse, ficar puta porque você não deu sinal de vida ou porque você esqueceu o dia que nos conhecemos. Porém, é tão simples e automático eu não me importar com isso.

Faço jus ao movimento daqueles que se amam sem pedir nada em troca, daqueles que se olham e se satisfazem por tudo que são, daqueles que não se comprometem e são mais felizes, daqueles que se comprometem e são tão felizes quanto, daqueles que distribuem sorrisos, daqueles que superam tomar um fora, daqueles que reformulam o vestuário quando querem, daqueles que nadam sem roupa, daqueles que entram no chuveiro acompanhados, daqueles que se doam, daqueles que não desperdiçam a liberdade, daqueles que não precisam do amor alheio para se amarem incondicionalmente.

domingo, 4 de novembro de 2007

Da arte de ser tia.

Ser tia é atravessar a rua com cuidado, para que nenhum carro em alta velocidade afronte tirar-lhe a vida antes de a sua sobrinha ter aquela tão sonhada festa de 15 anos. Ser tia é pensar no que os sobrinhos vão achar do tio que a tia escolheu para eles. Ainda mais quando esse tio é todo-doido, tattuado, com alargador nas orelhas, e tem cara de bravo.

Em outras palavras, essa que vos escreve é tia de uma sobrinha linda e de um sobrinho tão lindo quanto. Agora, para que o entendimento da história toda tenha a completude que o assunto pede, é necessário contá-la desde o seu início.

A minha saga como tia-me-dá-um-abraço começou cedo. Bem cedo, eu diria. Culpa da irmã que veio dar a notícia em 1994, e surpreendeu a pequena Talita recém saída do prézinho. 'Tudo bem, ser tia não deve doer nada'. E, eu não era aquele tipo de criança ciumenta, que não consegue conviver com outras crianças nem dividir os seus brinquedos com elas. Pelo contrário, a minha mãe conta com freqüência da minha sociabilidade desde quando eu era pequena. No entanto, hoje, admito que a minha cabeça podia ter ficado bastante confusa se eu pensasse demais na dimensão que é ser tia.

Para a grande maioria, ser tia não envolve apenas o fato de ter um sobrinho ou uma sobrinha. Ser tia, neste caso, é 'ficar para titia'; jargão muito usado para distinguir pessoas sem muita sorte com relacionamentos. Contudo, a minha perspectiva de vida nos anos 90 não conseguia pensar nisso, compreendia apenas a rotina: ir para a escola, brigar com o meu irmão mais velho, pensar no que eu queria ganhar de Natal, e outras coisas desse quilate - não com menos importância, friso; afinal, é na infância que se constrói uma cabeça bacana para agüentar a dualidade da adolescência e as futuras responsabilidades que se ganha quando as pessoas se tornam adultas.

Pois bem, tempos depois, vejo uma segurança tremenda na minha situação de ser tia. Aprendi um bocado. E, olha que eu nem sou tão museu assim. Acho incrível a amizade que tenho com a minha sobrinha. Ultrapassamos o limite sócio-cultural tia e sobrinha, somos boas amigas. Acho um barato quando a Raphaela vem me contar os casos da vida dela, os guris que acha bonito e os que já beijou, o medo que tem da mãe, as vontades que tem, os anseios, a perspectiva remota que considera que o seu mundo é cor de rosa e que tudo pode ser perfeito. Cerco-me de cuidados para respondê-la á altura, não deixá-la com mais dúvidas do que as que já tem. Imaginem a cabeça da minha querida: treze anos, 1.70 de altura, rosto novo, enfim. Uma rede de pensamentos de autonomia própria a perseguem. Mesmo assim, quanto á Rapha, acho que estamos bem.

Se por algum momento pensei que a minha cota de cordialidade com os filhos dos meus irmãos já excedia um limite, fui altamente surpreendida no ano passado. Minha irmã, que me deu aquela notícia em 94, veio me dizer o mesmo anos depois. Dessa vez, viria um menino. Antes que o pequeno nascesse, eu já imaginava o seu rostinho, se teria ou não covinhas, se ia me chamar de tia, se ia gostar de sorvete de baunilha (...) Uhum, a Talita pode ser declarada uma tia absurdamente coruja, e assumida.

O Ismael nasceu em abril do ano em que estamos. Parece ás vezes comigo, mas consegue ser tão diferente também. O Tiquinho é muito 8 ou 80, não consegue ficar parado. Gosta de danoninho de morango, e gosta de dengo. É intimista, não dá trela pra quem não conhece. E eu vejo tanta beleza nisso. Taurino, esse guri vai me ferrar a vida algum dia - eu bem sei que vai e não faço omissão. Tanta geniosidade vai me dar dor de cabeça; do mesmo jeito que a Rapha me deixa puta com o seu lado virgo de ser. Dois amores que eu quero ver crescer, com pensamentos próprios e pelo caminho que decidirem.

Em mais de uma década como tia, sinceramente, fiquei para titia. O detalhe eu deixo por conta dos tios que os meus sobrinhos vão poder escolher.

Ressalva: modéstia mandou lembrança, ein Talita?