sábado, 22 de março de 2008

Um deserto.

O dono da passagem do tempo é quem tem o controle de delimitar os minutos que cada um vai ter por toda a vida. Ele é responsável por trazer um riso ás nove da manhã, ou demonstrar uma lágrima aquecida no canto dos olhos ao entardecer.

O dono da passagem do tempo se esconde onde ninguém pode alcançá-lo, num deserto imenso coberto por uma distância visionariamente imaginária e uma linha acobreada e cercada de fios de navalha.

Sei deste tom de cobre e dos fios de navalha, pois já tive andança recente por esse deserto. Aliás, o dono da passagem já desconfia que estive por lá. E, certamente, ele não ia ficar muito contente em diagnosticar que alguém com paradoxos flutuantes colocou os pés por sobre a areia platinada do seu deserto particular. Mas é fato, o deserto existe e o dono da passagem do tempo bem conhece a valia de seu lugar.

Nessa andança, percebi que nem todo deserto possui o seu Oasis. Trata-se de uma balela convidativa para o emaranhado de dúvidas presentes nessa região. Areia, sim, há muita. Tal qual a quantidade de vento que traz a tona o que se esconde debaixo do tapete do deserto: tanto as mentiras, trapaças e investidas falhas; como também os bilhetes rasgados, os abraços esquecidos e os beijos não dados.

E mais, cada um devia ter o seu deserto e o seu tapete. Entretanto que o dono da passagem do tempo não saiba disso também. Se por algum segundo o dono da passagem do tempo ousar ver a sua supremacia questionada ou testada como falível, a sua ação contraditória pode ser promovida em milésimos. E não teríamos como fugir após o ato.


As tempestades mais violentas de toda a via láctea acontecem no deserto. O dono da passagem do tempo costuma achar graça quando vê as primeiras gotas de tormento caindo lentamente no solo. Ele sabe que a cada novo milímetro de chuva, dois novos milímetros vão surgir e assim por diante. Sem contar que as chuvas não são corriqueiras por ali. É a matemática do deserto.

A alma do dono da passagem do tempo vive em conflito com a alma do deserto. A alma do deserto é livre, irradia com o Sol e dorme nos braços da Lua. Enquanto a alma do dono da passagem do tempo não consegue nem acordar.

Por todo o tempo, o dono da passagem do tempo prometeu zelar pelo deserto para que ninguém pisasse em seu tapete e descobrisse o que há escondido entre tanta areia. Eu ousei colocar os meus pés e caminhar sobre o deserto sem saber de tais condições, não sabia nem que existia um tapete e um muito por debaixo dele. Contudo, o dono da passagem do tempo desconfia ter visto pegadas de uma nômade marcadas no chão nunca antes pisado.

A minha caminhada pelo deserto não cessou. Agora eu espero ser encontrada pelo dono da passagem do tempo.